O Conselho Regional de Serviço Social de Pernambuco (Cress – 4ª Região) divulga Nota com posicionamento sobre o Ensino Remoto, o estágio supervisionado e o trabalho de assistentes sociais na Educação Superior no contexto da pandemia da Covid-19.
O documento é elaborado reconhecendo a complexidade que esse contexto põe à profissão nesse momento. Chama a atenção para a incompatibilidade entre ensino remoto e estágio supervisionado, além de destacar que a supervisão de Estágio em Serviço Social é uma atribuição privativa dos/as assistentes sociais.
Na nota o Cress-PE reforça também que tem somado esforços no apoio da campanha Formação com qualidade é educação com direitos para você! Graduação em Serviço Social: só se for legal, crítica e ética, do Fórum Nacional em defesa da formação e do trabalho com qualidade em Serviço Social.
Confira a nota completa abaixo ou acesse também a nota em versão PDF: Nota do Cress PE – Ensino remoto na Educação Superior
NOTA SOBRE ENSINO REMOTO, ESTÁGIO SUPERVISIONADO E O TRABALHO DA/O ASSISTENTE SOCIAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CONTEXTO DE PANDEMIA
A política de educação superior no Brasil encontra-se hoje em um dos cenários mais desafiadores desde o período da redemocratização e o pacto da nova república. Isso, por um lado, devido ao avanço e aprofundamento, no contexto da pandemia de Covid-19, do processo de precarização das condições de ensino-aprendizagem e trabalho sob controle dos grandes conglomerados empresariais; por outro, devido à ascensão de forças reacionárias, antidemocráticas e negacionistas que atacam o conhecimento e a produção científica, além de suas instituições propulsoras, e incentivam processos de opressão e expropriação, particularmente na Universidade.
Diante da pandemia, as instituições e organizações das mais diversas naturezas tiveram que repensar as suas formas de funcionamento, rebatendo sobre o trabalho e a formação dos/as assistentes sociais e, portanto, sobre a realização de estágio supervisionado.
Nessas circunstâncias, são muitos as/os profissionais assistentes sociais que atuam na educação a terem que se deparar com o chamado ensino e trabalho remotos. Isto sob o respaldo da inviabilidade do retorno às aulas e demais atividades presenciais devido à vigência da pandemia e dos altos índices de contaminação por Covid-19. Assim, algumas normativas passam a regulamentar a suspensão das atividades presenciais, tais como a Portaria 544 do MEC, que propõe, em caráter “facultativo”, o “ensino remoto” – um neologismo criado pelas empresas da educação e seus intelectuais para ocultar o processo real de flexibilização e expansão do chamado Ensino a distância (EaD).
Desde então, esse tema tem atravessado, com fôlego, o conjunto da sociedade brasileira, a vida cotidiana de milhares de estudantes e profissionais da educação e, particularmente, as entidades representativas do Serviço Social, a exemplo da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss). Entendemos que se trata de um tema também de competência dos Conselhos Regionais de Serviço Social, tendo em vista, não apenas a importância dos conselhos profissionais no Conselho Nacional da Educação (CNE), como também um conjunto de aspectos de natureza jurídica, técnica e ético-política implicados na intervenção de assistentes sociais que atuam na política educacional.
Cabe destacar que a Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço Social – nº 8.662 de 1993, em seu Art. 7º, estabelece que o “Conselho Federal de Serviço Social (Cfess) e os Conselhos Regionais de Serviço Social (Cress) constituem, em seu conjunto, uma entidade com personalidade jurídica e forma federativa […]”. Na definição das atribuições em relação a orientação e fiscalização do exercício profissional, compete ao Cfess “[…] orientar, disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício da profissão de Assistente Social, em conjunto com o Cress” em território nacional; e aos Cress “fiscalizar e disciplinar o exercício da profissão de Assistente Social na respectiva região”.
A realidade vem demonstrando que as imposições do trabalho e ensino remotos, sem mediações importantes a serem consideradas, tanto do ponto de vista pedagógico como do ponto de vista social, agudizam as desigualdades sociais, ampliam a degradação da formação profissional, aprofundam a perda da autonomia docente e acentuam a precarização do trabalho profissional, ferindo os preceitos devidamente normatizados no Código de Ética Profissional, na Política Nacional de Estágio Supervisionado e demais resoluções do Conjunto Cfess-Cress referentes às condições éticas e técnicas de trabalho e supervisão de estágio em Serviço Social. Trata-se, assim, de um cenário cada vez mais incompatível com os princípios profissionais, valores éticos e condições técnicas preconizadas pelo Projeto Ético-político Profissional. Aqui, chamamos a atenção, especialmente, para a incompatibilidade entre ensino remoto e estágio supervisionado. Bem como para a necessária garantia da autonomia profissional, diante do contexto das já reais precárias condições nos espaços sócio-ocupacionais, agravadas com a necessidade de uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI´s) e condições sanitárias e de saúde seguras para os/as assistentes sociais, estagiárias/os e usuários/as, o que muitas vezes impossibilita a continuidade de estágios supervisionados.
Sobre este tema, aportamos nosso posicionamento, considerando também as análises que nossas entidades representativas têm desenvolvido sobre os recentes mecanismos voltados para a normatização das atividades acadêmicas do ensino superior no contexto da pandemia. Dentre estes, a Portaria nº 343/2020, editada pelo MEC no dia 17 de março, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia, não autorizando a realização da prática de estágio curricular obrigatório. O CNE explicou, em nota de 18 de março de 2020, que os limites referidos na portaria eram aqueles descritos na portaria nº 2.117/2019, que permite a oferta de 40% da carga horária dos cursos presenciais na modalidade EaD. Essa normatização foi substituída pela Portaria nº 544/2020, que regulamenta, além da substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, a possibilidade de substituição das práticas profissionais de estágios por atividades remotas.
Destaca-se, ainda, o parecer nº 5/2020 homologado pelo CNE, que dispõe sobre a reorganização do calendário acadêmico e a possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia, de igual modo recomenda a realização da prática de estágio em modalidade remota. Entretanto, ao considerarmos o que diz as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Serviço Social, aprovadas pelo Parecer CNE/CES nº 492/2001, conforme indica a Portaria nº 544/ 2020, esta norma afirma que “[…] o Estágio Supervisionado é uma atividade curricular obrigatória que se configura a partir da inserção do aluno no espaço sócio-institucional, objetivando capacitá-lo para o exercício profissional, o que pressupõe supervisão sistemática. Esta supervisão será feita conjuntamente por professor supervisor e por profissional do campo, com base em planos de estágio elaborados em conjunto pelas unidades de ensino e organizações que oferecem estágio” (CNE, 2001).
Assim, as Diretrizes Curriculares e a Lei Nacional de Estágio estabelecem que este componente curricular obrigatório e estratégico na formação de discentes em Serviço Social só poderá se realizar mediante supervisão sistemática de um profissional da instituição de ensino e de um profissional do campo de estágio. A supervisão de Estágio em Serviço Social é uma atribuição privativa dos/as assistentes sociais, conforme regulamenta a Lei nº 8662/1993. É, portanto, passível de disciplinamento, normatização, orientação e fiscalização pelos Conselhos Profissionais de Serviço Social. Dessa forma, visando atender às requisições da Lei nº 11.788/2008, a SUPERVISÃO DE ESTÁGIO foi regulamentada pela resolução do Cfess nº 533/2008, indicando que deve ser realizada de forma DIRETA, CONJUNTA e PRESENCIAL, por meio da articulação dos sujeitos envolvidos, quais sejam: o/a estagiário/a, o/a supervisor/a acadêmico/a e supervisor/a de campo. É importante ressaltar que a substituição da prática de estágio no campo por aulas, ou qualquer outra atividade como trabalhos, extensão acadêmica, pesquisas e/ou orientações por meios digitais durante a pandemia fere as condições técnicas e éticas para exercício profissional do/a assistente social, nos termos das resoluções acima elencadas. Assim, a exclusão de qualquer um dos sujeitos envolvidos na supervisão de estágio em Serviço Social, obrigatório e não-obrigatório, não pode ser configurado como Estágio Supervisionado em Serviço Social.
A realidade de Pernambuco não é diferente. Tem sido recorrente o conhecimento, por parte do Cress-PE, de situações que caracterizam o aumento considerável, durante a pandemia, de profissionais sem as devidas condições recomendadas pela Organização Mundial da Saúde de proteção no ambiente de trabalho, a exemplo de supervisores sem EPI’s, além do acirramento de circunstâncias que põem esses/as trabalhadores/as, muitos/as assistentes sociais, em condições constantes de assédio moral e de perda de sua autonomia relativa diante do aumento do desemprego e da retirada de recursos para a educação. Daí o volume considerável do fechamento de postos de trabalho, com a transformação de cursos presenciais em EaD, ou mesmo com o próprio fechamento de cursos diante das dificuldades que as IES estão encontrando de formar turmas, favorecendo os grandes conglomerados empresariais de educação que avançam sobre importantes conquistas democráticas na política educacional brasileira.
Por outro lado, entendemos que as IES e as/os profissionais nelas inseridas/os possuem peso importante no desenvolvimento das ações consideradas essenciais e necessárias de enfrentamento aos contextos de calamidade pública e/ou pandemia. Assim, a crítica ao modelo imposto e engessado de ensino remoto em curso não anula a defesa da função social dessas instituições, inclusive na produção permanente de ciência, nem mesmo a construção de iniciativas coletivas de planejamento e desenvolvimento de ações que façam valer o cumprimento dessa função social e do dever ético da profissão, buscando manter o diálogo e acompanhamento junto aos estudantes numa articulação ampla entre as diversas áreas de conhecimento.
Reconhecemos que estamos diante de novas condições objetivas postas pelo contexto da pandemia, demandando das/os assistentes sociais novas alternativas, diante dos rebatimentos no campo do trabalho e da formação, particularmente, para realização do estágio supervisionado. Esta dinâmica da realidade tem nos colocado muitas questões e incertezas. Endossamos a crítica ao “estágio remoto” como uma resposta viável e compatível com as diretrizes da formação profissional. Neste sentido, esse debate se coloca como urgente, embora possamos não encontrar ainda todas as respostas face a uma realidade tão complexa. O que temos é nosso acúmulo teórico, técnico e ético-político, expresso em orientações e normativas que compõem o arcabouço jurídico-político profissional. Essa construção pode nos ajudar no desafio coletivo de responder às necessidades da realidade sem perder de vista o compromisso com nosso projeto profissional.
Reconhecendo a complexidade que esse contexto põe à profissão, o Cress-PE tem somado esforços no apoio da campanha Formação com qualidade é educação com direitos para você! Graduação em Serviço Social: só se for legal, crítica e ética, do Fórum Nacional em defesa da formação e do trabalho com qualidade em Serviço Social, que reúne integrantes das comissões de Formação Profissional do Cfess, dos Cress, bem como integrantes da Abepss, Enesso, das instituições de ensino superior, centros e diretórios acadêmicos, entidades diversas e movimentos que atuam em defesa da educação como um direito.
Entendemos que um conjunto de iniciativas podem e devem ser desenvolvidas e incentivadas pelo Serviço Social e suas entidades, na relação com outras profissões, como formas de enfrentamento às expressões da questão social que se agudizam nesse contexto e exigem respostas intermediadas por outras ferramentas de trabalho profissional. Daí a importância dos projetos de extensão, pesquisa, planos acadêmicos alternativos, fóruns de conselhos profissionais e ações de solidariedade junto aos diversos movimentos sociais que dialoguem, de fato, com as demandas postas por estes cenários, compatíveis com as competências e atribuições privativas profissionais e intermediadas por processos de planejamento democráticos de transição pós-pandemia.
Recife, 14 de agosto de 2020.